(comunicação ao congresso)
POR UMA POLÍTICA PÚBLICA DE ARQUITECTURA
QUE AS PERIPÉCIAS DO PASSADO RECENTE, ALIMENTEM A QUALIDADE E A
RESPONSABILIDADE NA ARQUITECTURA DO FUTURO
Que Deus a tenha em eterno descanso!
Em Agosto de 2000 escrevia, eu, à então bastonária da "Ordem dos Arquitectos", Olga Quintanilha:
Na sequência de notícias recebidas... manifesto o meu "desagrado" pela posição do CDRSul... Tal como Vossa Ex.a preconiza, parece-me do mais elementar bom senso, que qualquer alteração ao Dec. Lei nº73/73 (com a aprovação da OA) respeite escrupulosamente o princípio de que:
"A Arquitectura só para os Arquitectos";
" A Direcção Técnica das Obras para Arquitectos em pé de igualdade com Engenheiros Civis e Engenheiros Técnicos Civis".
"Sem outro assunto, esperando uma firmeza determinante de Vossa Ex.ª, nesta matéria, subscrevo-me com os melhores cumprimentos".
Em Janeiro de 2001, ainda no mandato da Senhora bastonária, a propósito da declaração no "Informações Arquitectos 91", não pude deixar de fazer um reparo à informação:
"Não podemos exigir qualificações para as quais não temos formação adequada".
Recomendando-lhes uma leitura do artigo nº 63, do Decreto Lei nº 555/99, de 16 de Janeiro, e o entendimento do legislador nesta matéria.
E também, uma reflexão do XII Congresso da Ordem dos Engenheiros, quando se insurgiram, de entre outras matérias, contra o referido artigo nº 63.
Terminava o meu artigo com a seguinte expressão:
"Sinal de mudança dos tempos".
Mas isto já se passou nos anos de 2000 e 2001, anos muito recentes, porque já, em 1992, eu escrevia ao Senhor Ministro do Planeamento e da Administração do Território (Luís Francisco Valente de Oliveira) referente às afirmações proferidas pelo Senhor Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território: Dr. José Manuel Nunes Liberato, no encontro realizado no dia 30 de Junho de 1992, com a Associação dos Promotores Imobiliários, em que o Senhor Secretário de Estado fazia as seguintes afirmações:
"Pela primeira vez aparece consagrado na legislação o papel primordial que o projecto de Arquitectura aufere no âmbito do processo de licenciamento de obras. Esse papel não só lhe é atribuído em sede das exigências ao nível da instrução do pedido de licenciamento, como toda a apreciação do pedido gira à sua volta, relegando para segundo plano as preocupações ao nível dos projectos das especialidades". Perguntando-lhe:
O que entende o Senhor Secretário de Estado por Projecto de Arquitectura?
Quem considera, efectivamente, habilitado para a realização deste Projecto?
E terminava dizendo-lhe:
Acredito, cada vez mais, viver num país de duas facetas: a do "invólucro" e a da "medula".
Ao invólucro dá-se uma imagem Europeia (Decreto Lei nº 445/91);
Na medula concentram-se as substâncias do passado (Decreto Lei nº 73/73).
Acrescentando ainda:
Como pessoa que vive numa região, onde nem sempre a sensibilidade da população se manifesta vivamente perante problemas desta natureza, não posso deixar de manifestar a minha tristeza, ao ter de assistir passivamente ao degradar constante da paisagem, do património arquitectónico não classificado, ao emergir de construções de manifesto mal gosto que tanto descaracterizam as paisagens e as regiões, ao desmoronar de todo um património, fruto de intervenções de pessoas sem qualquer formação ou qualificação para gerir equilibradamente, o "rosto" do território a que pertencemos.
Mas ainda em 1992, escrevia uma carta ao Senhor Director do jornal "Expresso", pela não publicação do artigo que lhe tinha enviado, depois de me terem informado do interesse nele.
Em que lhe dizia:
Sinto o maior respeito pelo conteúdo e assuntos tratados nos artigos de opinião que tem ocupado as páginas do Vosso jornal, mas parece-me que tanto ou mais importante, que matéria tratada nesses artigos de opinião, seria o conteúdo do meu artigo, independentemente da falta de "veia" jornalística ou literária de que não sou dotado.
Gostaria de salientar, alguns aspectos, que de forma evidenciável, deixam transparecer a "manipulação" da informação - consciente ou inconscientemente - onde ainda se privilegiam certas classes profissionais e políticas, conferindo maior receptividade às suas manifestações e possibilitando-lhes a sua divulgação.
Senão vejamos, ainda que de forma superficial:
Fartei-me de ler artigos de gente da área da justiça: Advogados, juízes, sindicatos, ordens, etc, etc, etc;
Pareceu-me exagerada e cansativa a repetição sistemática de artigos sobre o problema da medicina e do transplante de órgãos;
Embora não questione que se estejam a por em causa valores éticos e morais e a privar os cidadãos de direitos que lhes deveriam ser conferidos independentemente do seu "testamento obrigatório", para se reservarem ao direito de não partilharem os seus órgão, questiono se será mais salutar preocuparmos-nos com os problemas do cidadão após a sua morte, ou se preocuparmos-nos com os cidadãos enquanto vivos, gerindo equilibradamente o território, que tanto pode contribuir para a redução, ou até evitar os referidos transplantes, motivados em grande escala pela tensão e stress, que os espaços humanizados e naturais tanto podem influenciar.
Parece-me um pouco despropositado, o Vosso jornal reservar essas limitadas páginas, a políticos com assento no parlamento, onde afinal podem tomar decisões de fundo e aplicá-las ao quotidiano da vida dos portugueses, quando os mesmos no parlamento pouco ou nada fazem, e esses artigos não passam meramente de "querelas" políticas, que afinal pouco interessam aos portugueses e menos ainda visam, a resolução de problemas concretos.
Agora, que o artigo não foi publicado, e com legislação posterior sobre a mesma matéria, recomendo-lhes, uma breve ainda que seja, reflexão sobre os diplomas: Decreto Lei nº 445/91, de 20 de Novembro, Decreto Regulamentar nº 11/92, de 16 de Maio, e muito em especial o artigo 15º.
Concluía dizendo:
Esqueçam um pouco a dialetica eloquente dos Senhores Políticos!
Passada esta primeira vaga de desnorte e desentendimento, e já nos anos mais recentes, com a Ordem dos Arquitectos já nas mãos da Senhora bastonária Helena Roseta, voltava a sentir a necessidade de me manifestar perante a posição de políticos da actualidade e de alguns órgãos de comunicação.
E não pude deixar de manifestar o desagrado, pela apreciação feita pelo Senhor jornalista do expresso: joão Garcia, ao envolver o projecto de Lei 183/X - "a Arquitectura um direito dos cidadãos, um acto próprio dos Arquitectos", aprovado pela Assembleia da República no dia 18 de Maio, como uma iniciativa de cunho corporativista.
Questionava então, o senhor jornalista, em Maio de 2006:
Quem sabe se o senhor jornalista tem interesses directos ou indirectos na manutenção da Lei "Marcelista" de há 33 anos?
Quem sabe se o senhor jornalista só está habituado a passear na urbe lisboeta (projectada só por Arquitectos) e desconhece aquilo que prolifera na província, onde todos os dias surge mais uma construção, que quebra a harmonia das nossas vilas, das nossas aldeias, da nossa paisagem?
Quem sabe se o senhor jornalista é indiferente à harmonia de um espaço urbano?
E adiantava:
Quem sabe! Quem sabe! Quem sabe!
O senhor jornalista ao chamar a iniciativa de cunho corporativo está a esquecer que mais do que isso pretende-se que se dê a Arquitectura a quem está habilitado para a fazer, caso contrário, cada vez mais, as pobrezas do nosso país acentuar-se-ão, perdendo a oportunidade de nos afirmarmos como um país do primeiro mundo, escorregando no sentido dos mais fracos.
Concluía:
O expresso, um jornal de referência, ao publicar a apreciação feita pelo senhor jornalista João Garcia, prestou um mal serviço ao país, e deixou transparecer alguma falta de lucidez, para poder servir de lanterna aos caminheiros que o lêem.
E por fim, já em Abril de 2007, com um diploma já apresentado pelo governo, eu escrevia para a Assembleia da República, por causa do período de transição de cinco anos, salientando que se iria contribuir assim, neste longo período de transição para a continuação da degradação da nossa paisagem urbana e rural, descaracterizando o pouco que ainda nos resta para conservar, e imprimindo à paisagem um rosto descaracterizado, sem gosto, funcionalidade ou harmonia.
E só passados dois anos, veio à luz do dia a Lei nº 31/2009, de 3 de Julho, consagrando a transição de cinco anos, no seu capítulo IV, para que os mesmos técnicos continuem a fazer as mesmas coisas, e aquilo que já no início dos anos 90 era preocupante, vai assim continuar por mais este período de tempo.
Pese embora a morosidade para a mudança, estamos finalmente no limiar do início de uma nova fase.
De uma nova fase, em que os Arquitectos terão que assumir maiores responsabilidades.
Mas não podemos ficar por aqui, isto representa um primeiro passo na definição de um novo horizonte.
Há uma tarefa árdua, para trilharmos um novo caminho, com mais clareza de regulamentos, em que para responsabilizar é necessário simplificar.
Este novo diploma que veio substituir o Decreto Lei nº 73/73, é um primeiro passo.
Um primeiro passo no aclarar de um caminho, mas um passo que por si só não tem a intensidade suficiente para que o caminho fique demarcado com a clareza necessária.
Existem funções de coordenação de diferenciação ambígua. Em que o campo de sobreposição é impreciso. Em que a simplificação é necessária.
Existem regulamentos, que entram em detalhe excessivamente burocrático. Em que a sua eficácia é questionável. Em muitos casos completamente infrutífera.
Existem regulamentos, em que a sua estrutura científica é questionável à vista desarmada.
Existem regulamentos que é necessário adaptar à realidade prática da construção. Em que é necessário expurgá-los da vertente excessivamente teórica.
Só então, quando percorrido este caminho, podemos encontrar o equilíbrio entre os vários intervenientes na construção:
Projecto e processo construtivo. Técnicos, construtores e donos da obra.
É necessário que a qualidade da construção melhore. É necessário que o conforto evolua. Mas isso só se consegue com a simplificação de processos. Com a aclaração de procedimentos.
É necessário que a organização do território se harmonize.
É necessário que a intervenção neste domínio se torne transparente.
Mas isso não se consegue com a sobreposição de legislação. De "Planos de Ordenamento". Burocratização de procedimentos.
O território organiza-se com intervenções individualizadas. Com intervenções integradas. Com intervenções responsáveis e isentas.
O território organiza-se com a cooperação da política, da arquitectura, da engenharia, da geografia, da história, da sociologia.
O papel dos Arquitectos é solicitado neste momento.
Temos muito para recuperar. Muito para reordenar. Alguma coisa para construir.
Temos outras responsabilidades.
Temos uma província carente e necessitada.
Os próximos tempos terão de ser considerados mais exigentes e mais difíceis.
Temos de consolidar a responsabilidade social. O domínio do conhecimento, O recurso a opções consistentes.
A paisagem precisa de mudança, mas exige contenção.
O futuro espera-nos, mas nós temos de corresponder a esse compasso de espera.
A nossa profissão tem no mercado nomes de profissionais com prestígio, mas a mudança exige também profissionais anónimos.
Não podemos projectar só para revistas e roteiros, temos de projectar também para o cidadão comum.
A mudança impõe-se, mas os recursos não são ilimitados.
A mudança não se pode fazer com rotura, tem que se fazer com progressividade.
Temos de nos tornar pessoas práticas e ouvir o que o cidadão comum tem para nos dizer.
Temos de guardar a totalidade dos saberes para um número restrito de intervenções.
Só assim podemos encontrar o equilíbrio e o consenso que se nos impõem.
Só assim a profissão gozará do prestígio que tanto ambiciona.
Outubro de 2009
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