publicado no jornal de Melgaço 1º Setembro 1990

com fotografias

 

DUAS LINGUAGENS DIFERENTES, UM FENÓMENO COMUM:

Perigo de Desclassificação do Parque Nacional da Peneda-Gerês

 

 

 

Por um lado, uma construção que simboliza o que se procura preservar dentro do PNPG, buscando traços arquitectónicos que realçam os valores culturais que predominam no domínio desta área; por outro, aquilo que evidencia de uma forma clarividente, a sordidez que prolifera pelas fraldas do nosso planeta. Duas linguagens completamente divergentes, que convergem para um fenómeno comum: o perigo de desclassificação do Parque Nacional da Peneda-Gerez.

 

Os intervenientes são os mais variados, os interesses os mais tentadores.

 

Os Senhores Presidentes da Juntas de Freguesia, que se empenham com unhas e dentes, para poderem vender os terrenos baldios, e assim arranjarem cinco reis para remendarem as condutas das águas da freguesia e colocarem umas  "pedritas" na calçada lá da terra;

 

Os Senhores Presidentes das Câmaras Municipais, sempre obcecados pelo investimento e pelo crescimento, vendo no termo "preservação" um dos maiores inimigos, que em nada ajuda a satisfazer as promessas que fazem diariamente aos seus eleitores;

 

Os Senhores Ministros, esses "coitados" lá passam a vida fechados nos ministérios do Terreiro do Paço, e não fossem os seus Secretários gostarem de fugir do stress citadino, para depararem com estes fenómenos naturais ( o Secretário de Estado do Ambiente, Macário Correia, esteve no dia sete de Agosto em Castro Laboreiro e Lamas de Mouro) jamais se inteirariam de realidade que se propaga no âmago destes filtro do stress e da poluição;

 

Já não falando na direcção do PNPG, que na falta de princípios orientadores específicos, se apoia numa legislação perfeitamente inadequada, onde a protecção da fauna ainda se rege pela Lei Geral da Caça, a protecção do Património Arquitectónico ainda se rege pela liberdade de construção, onde proliferam as casas tipo maison, onde se sente o vazio da inexistência de um projecto de ordenamento.

 

Os autarcas acusam a direcção do PNPG de incompetência ( vejam-se as declarações do Presidente da Terras-do-Bouro) a direcção do parque acusa os Autarcas de não colaborarem para a preservação desta área natural, e aponta como comprovativo o plano de ordenamento da área do PNPG, elaborado por este organismo, que até à data se encontra sem resposta dos cinco Municípios que integram a mesma (Melgaço, Arcos de Valdevez, Ponte da Barca, Terras-do-Bouro e Montalegre).

 

Põem-se assim em perigo, uma área de terreno agreste, de vertentes inclinadas, onde se reúnem a importância granítica da Serra da Peneda, adoçada aqui e ali por um vale verdejante,  a simbiose colorida dos matos do Soajo e da Serra Amarela, a exuberância silvestre das grandes massas lenhosas da área Geresiana, banhada pela quietude azulada das águas das albufeiras, que penetram nos terrenos dos concelhos de Melgaço (10,035 ha), Arcos de Valdevez (14,030 ha), Ponte da Barca (10,215 ha), Terras-do-Bouro (15, 968 ha) e Montalegre (21,174 ha).

 

Não fosse suficiente o que vai surgindo nos cento e catorze aldeamentos que compões este parque, onde a substituição do cinzento da pedra  das edificações pelas cores variadas e berrantes das novas construções, laivos de cor  que, chocando pela sua agressividade, poluem esteticamente o ambiente, ainda se juntam os interesses especulativos que ambicionam o investimento turístico, quase sempre alheios ao impacto físico e sociológico que poderão vir a impor à região.

 

Mas deixemos o PNPG, onde intervêm, além da direcção do referido parque, tantas Autarquias e pessoas, quase sempre, pouco ou nada sensibilizados para factores com índole desta natureza, e falemos da pequena fatia que pertence ao nosso concelho, onde afinal, alguma coisa teremos a dizer.

 

Não pretendo com isto, que se entenda que me oponho ao crescimento dos lugares que compõem esta área protegida, que embora tenham vindo a perder em população, tem vindo a aumentar em área construída o que, de uma forma assaz evidente é fruto de um fenómeno natural: a emigração, o poder económico. Pretendo, isso sim, salientar algumas situações pontuais, que me parecem chocantes e quase sempre pouco ponderadas, o que aliás, tem vindo de forma progressiva, a contribuir para a destruição do parque, tanto juridicamente, como física e sociologicamente.

 

Tomemos então, o lugar de Lamas de Mouro, que é suficientemente representativo para tirar ilações, sobre o contributo do nosso concelho para com esta área protegida.

 

Estará a ser correcta a expansão direccional deste Lugar?

 

Estarão a ser ponderadas as consequências que desta expansão poderão advir?

 

Estará alguém a beneficiar dos dividendos auferidos pela alienação dos terrenos baldios  que integram o território da entrada deste parque (?)

ou será que não iremos suportar juros vitalícios pela alienação irreflectida dos referidos terrenos ?

 

Algumas perguntas que se põem, uma resposta que só o tempo dará!

 

Se o que foi dito se pode considerar com uma certa carga "relativista", outras coisas há que são de grande cristalinidade. Senão vejamos:

 

O fruto de uma intervenção construtiva em determinada área é o património construído, e o património construído é o rosto humano de uma paisagem.

 

Logo algo se apresenta evidente:

 

Ou se protege uma zona natural e pitoresca de interesse nacional e internacional com fins científicos, culturais e recreativos (classificação actual do PNPG) ou se humaniza uma paisagem. Mas nunca a compatibilidade das duas.

 

Resta-nos assim alertar para o perigo emergente, ou consentir, rendendo-nos perante a entrega de valores riquíssimos do nosso património comum, ao acaso e ao improviso.

 

Fala-se então de uma construção controlada, onde a obrigatoriedade de uso do granito é chave para o licenciamento destas construções por parte da Autarquia local e da direcção do PNPG.

 

Será isto uma medida correcta?

 

Ainda não se teriam apercebido os senhores responsáveis por estas intervenções, da gravidade das mesmas?

 

Ou será isto uma forma discreta de contribuir  para a desclassificação desta área protegida e posteriormente materializar o tão ambicionado investimento turístico?

 

Controlar a construção nas povoações que integram este parque, seria fundamental, para evitar deformações tipológicas e o aparecimento de anomalias patológicas, mas isto, só nas povoações que existem, como forma de conter o rosto da paisagem humanizada e evitar a afectação da natural. Porque o alastramento da construção, a zonas que ainda se mantém intactas, ou seja, que mantém a topografia e a flora originais tem implicações muito mais complexas.

 

Daí estar-se a incorrer em erro, ao visar-se simplesmente a integração da construção na paisagem, evitando anomalias patológicas, porque na realidade, ela, além de não se compatibilizar com os requisitos impostos para a área que engloba este parque, vem aniquilar o habitat da paisagem e criar-lhe deformações de natureza sociológica.

 

Parece-me assim, pouco louvável a construção que está a proliferar na entrada do PNPG, e menos louvável ainda a alienação dos terrenos baldios e o licenciamento das referidas construções.

 

Digo mais:

 

Acredito sem restrição alguma, pensando a médio prazo, que a preservação do que ainda nos resta na área deste parque, será a melhor forma de investimento turístico na região.

 

O tempo o dirá!

 

 

                                                                                                                   Setembro de 1990